O Regresso (ou Precisamos falar sobe Leonardo DiCaprio)



Leonardo DiCaprio merece um Oscar. Sim, essa afirmação provavelmente está na sua cabeça, afinal, ela é uma unanimidade entre os amantes do cinema, e até mesmo de quem pouco acompanha. Há quem diga que ele deveria ter levado por "Titanic" (argh!), alguns por "Prenda-me se for capaz" ou por seu cruel Calvin Candie em "Django livre" (2013). No entanto, suas verdadeiras indicações e, de fato as mais merecidas foram em "O Aviador" (2004), "Diamante de Sangue" (2006) e "O Lobo de Wall Street" (2014). Ele não levou nenhum e desde então sofre com piadinhas a respeito. Bom, digamos que até o dia 28 de fevereiro deste ano.

Pois é, parece que, finalmente DiCaprio levará o careca de ouro para casa. "O Regresso" é sua nova tentativa nesta busca e, pelo andar da carruagem, muito provavelmente será o grande vencedor da noite. Mas a questão é...ele merece?

"O Regresso", dirigido por Alejandro G. Iñarritu, é baseado no romance homônimo de Michael Punke, que por sua vez se inspirou na história de Hugh Glass, um explorador e comerciante de peles que é atacado por um urso e deixado por seus companheiros para a morte. Em uma natureza selvagem, ele tenta sobreviver e se guiar pelo instinto de vingança contra Fitzgerald (Tom Hardy), que antes de lhe abandonar, assassinou seu filho.
Pois bem, "O Regresso" é muito mais sobre uma natureza inóspita do que sobre vingança propriamente dito. Iñarritu, diretor vencedor do Oscar por "Birdman", é o grande responsável por fazer isso funcionar de maneira excepcional. O diretor, que também é co-roteirista, consegue tornar todo um ambiente o principal vilão do filme. E quando digo todo o ambiente é tudo mesmo, desde os índios e franceses até o inverno congelante dos EUA. O público sabe que a qualquer momento pode acontecer alguma coisa inusitada e fica esperando por isso.

O filme começa já numa correria entre os exploradores e índios, onde a trama se desenrola até Glass encontrar o tal urso, se digladiar com ele e, obviamente, perder impiedosamente. Sim, a cena é cruel, forte, nua, sem poupar qualquer violência, mas infelizmente, é a partir daí que as coisas começam a ficar ruins.  

Como o diretor prefere focar a introspecção do personagem ao invés da ação, ele passa a ser inconstante. As sequências prendem o espectador, o desenrolar da trama não. Os personagens menores são rasos e chega um momento em que vemos apenas dor, frio, sofrimento e martírio.

A ideia de Iñarritu era a mesma de Birdman: trazer o espectador para dentro do filme, fazer com que ele tivesse as mesmas sensações do protagonista. Mas o que ele não soube fazer foi diferenciar um filme do outro. Enquanto seu anterior era compacto, realista e com poucas distrações, este é mais espaçoso, com mais pontas e núcleos. Não há empatia com o personagem de Leo. Deveríamos sentir e sofrer junto com ele em sua sede de vingança. Mas isso não acontece. Podemos até sentir arrepios ao ver Glass comendo uma tripa de búfalo ou membros decepados, mas jamais sentiremos a dor de estar ali nos EUA em 1823 como sentimos a frustração de um ator decadente na Broadway. Esse é o maior pecado do mexicano.

Ainda assim, a direção é esplêndida e isso faz com que o filme seja ótimo. Com exceção da mixagem de som (algumas dublagens bem mal feitas, não sei se era a projeção, mas né), os aspectos técnicos são de cair o queixo. Iñarritu cada vez mais se compromete a entregar longas com técnicas impecáveis. Claro, muito disso não seria possível sem seu diretor de fotografia pela segunda vez Emmanuel Lubeski. O cara não faz trabalho ruim e consegue potencializar um filme na maior qualidade possível. Desta vez, a floresta e os grandes cenários são seus personagens principais, é aquele fator de que a natureza é o maior vilão da trama se deve muito a ele.
Precisamos falar sobre Leonardo DiCaprio

Bom, provavelmente era aqui que você queria chegar. Ele é o protagonista do filme, ele tem sido manchete em todos os jornais e responsável pelos melhores memes de Hollywood. Afinal, DiCaprio vai levar o Oscar deste ano?

Sim, meus amigos, a não ser que os velhinhos da academia não queiram que a piada acabe, ele vai levar o Oscar de melhor ator para casa. Ele finalmente vai conseguir. Mas eu sinto lhe informar. Ele não merece. Não desta vez.

Calma, não que ele atue mal ou esteja mal no filme, não é isso. A questão é que o papel exige tanto dele, que praticamente não há nada de excepcional no que ele fez. Coloque qualquer outro ator da geração no papel dele e sairá exatamente a mesma coisa. A entrega é o que se exige pelo personagem em questão. Tanto que Christian Bale chegou a ser cotado para ele. Se de fato fosse ele, provavelmente levaria também.

A questão é a seguinte: Leonardo DiCaprio merece muito um Oscar e há um apelo enorme para que isso aconteça. Sabendo disso, os produtores o escalaram nesta condição. Ou seja. "Leo, vem aqui, temos um papel que te dará o Oscar". E a cada infortúnio dentro do filme ele parece dizer "Pronto, pelo amor de Deus, me deem logo a #$%$# do Oscar!".

A Academia por sua vez fará isso como uma forma de compensar aqueles outros três filmes em que ele merecia e não levou. Ainda não vi "Trumbo" nem "Jobs", mas há quem diga que há também o fator da concorrência estar em baixa. No mais, DiCaprio é o primeiro ator a levar o Oscar pelo conjunto da obra. Em 2016, ele está levando o Oscar de 2005, 2007 e 2014. No entanto, nada tira esse mérito dele.

Voltando ao filme, outro ator que justifica sua indicação a Melhor coadjuvante é Tom Hardy, ele é o personagem mais profundo do longa. Fitzgerald é egoísta, egocêntrico e não faz o mínimo esforço para esconder isso. Mas ele também é o cara que instiga o espectador a pensar até onde pode-se ir para sobreviver numa terra de ninguém. Aos poucos vamos descobrindo mais sobre o personagem e isso vai deixando-o mais interessante. Hardy, com certeza é meu favorito para a estatueta. Até porque, esse seria um prêmio de consolação para Mad Max, onde ele consegue, com poucas falas, trazer o espectador para debaixo de seus braços, coisa que faltou em Leo.

Ao fim de tudo, "O Regresso" parece ter pouca alma e está longe de ser o filme incrível que o público tanto esperava, mas ainda assim coloca Iñarritu a um patamar acima dos outros diretores. Ele entrega um longa à sua maneira mais uma vez sem se prender num gênero especifico (um western, talvez?) que conta com uma técnica impecavel, sequências cruas, pesadas e violentas, além de usar muito bem seu elenco. Contudo, ele perde muito por sua irregularidade e inconstância. Ainda assim, nós ouviremos falar muito deste filme. Afinal, foi ele quem deu o primeiro Oscar a Leonardo DiCaprio.


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