Depois dos sucessos de Gravidade (2013) e Interstelar (2014), parece que Hollywood gostou da ideia de lançar um filme sobre o espaço a cada ano. Não é pra menos, além de indicações a Oscar e bilheterias exorbitantes dos que citei, a NASA vem soltando informações de novas descobertas ou dados relevantes sobre o universo. A mais recente, é de que em Marte há córregos de água salgada. Coincidência ou não, a notícia veio na mesma semana de estreia do filme em questão.
Perdido em Marte, baseado no romance The Matian de Andy Weir, conta a história do astronauta Mark Watney que, após uma tempestade em uma missão em Marte, é dado como morto e deixado para trás pela equipe e se vê obrigado a tentar sobreviver no planeta inóspito com poucos suprimentos.
Ridley Scott é um diretor que vive flertando com a ficção cientifica. Este é o seu quarto filme do gênero, junto com Alien (1979), Blade Runner (1982) e Prometheus (2012). Os dois primeiros são verdadeiras obras-primas, mas o último marca a sua má fase na direção. Há tempos o diretor inglês não entregava um filme tão bom e que fizesse jus ao seu posto de diretor de ponta, conquistado pelos clássicos do passado. Felizmente, esta fase parece ter acabado.
Esqueça a solidão de Gravidade e as viajadas quânticas de Interstellar, Perdido em Marte é mais coerente e objetivo. Um homem esquecido em Marte precisa se virar para sobreviver e a NASA se virar para resgatá-lo. São dois pontos que levam a um mesmo objetivo com apenas informações relevantes. Não há o apelo sentimental de mostrar a família do astronauta ou sequer algum comentário sobre sua história de vida. É ele e só.
Nesse ponto, a única falha foi explorar pouco o lado humano e psicológico de Watney. Afinal, se ficar sozinho por muito tempo em algum lugar já é complicado, imagina em Marte. Qualquer um piraria, principalmente nas situações em que ele se encontra, mas seu comportamento é bem sereno e com apenas algumas alterações de humor.
A questão aqui é apenas a apreensão do que pode ou não acontecer e Scott sabe muito bem trabalhar isso. Ele faz com que o espectador mergulhe no filme e faça parte do próprio público que está dentro dele acompanhando o caso pela TV. A tensão parece ser a mesma deles, com a diferença que quem está do lado de cá da telona tem um pouco mais de privilégios das informações. Sabemos o que tá acontecendo em Marte, dentro da NASA e ainda assim somos meros espectadores, torcendo para que tudo dê certo.
Tudo é muito bem detalhado e praticado de maneira lenta. Desde os acontecimentos em Marte, até as questões burocráticas dentro da NASA. Não existe pressa alguma para dar o desfecho ou coisa parecida. Scott acerta o timming das coisas e converge as situações sem ter que falar grego e cheio daquelas expressões que só os cientistas entendem. Elas estão lá, como sempre, mas um pouco mais simplificado e com menos enfoque. No mérito do que é real ou não, parece que a preocupação em fazer tudo de maneira coerente é maior. Você pode encontrar em alguns sites o que é ou não verdade.
Ainda assim, o longa conta com alguns problemas como a previsibilidade e as coincidências do roteiro como o fato de Watney ser botânico e por isso sabe bem como pode plantar num planeta infértil. Se ele fosse um engenheiro ou qualquer outra coisa, gerar alimentos seria complicado e as chances de sobrevivência cairiam.
No entanto, é nítido que o diretor procura se atualizar com novos formatos e linguagens. Os diálogos são mais soltos e em alguns momentos, mais ácidos e bem humorados. A trilha sonora é outro fator interessante, inclusive com a sugestiva "Starman" de David Bowie (Ok. Life on Mars seria mais).
Matt Damon faz um excelente trabalho na pele de Watney. Mesmo que o enredo não lhe exija uma atuação mais dramática, o ator consegue proporcionar emoção em alguns momentos e arrancar boas risadas do público. O restante do elenco também não decepciona e contribuem muito emocionalmente para o desfecho, como é o caso de Jeff Daniels, no papel do diretor da NASA e Chiwetel Ejiofor, como um dos cientistas empenhados em fazer com que o resgate dê certo.
Bem dirigido, eficiente, com boas atuações e algumas Hollywoodianices, Perdido em Marte é daqueles filmes que te deixa com o coração na boca a todo momento e diverte ao mesmo tempo de maneira simplória. Ridley Scott entrega seu melhor filme desde Gladiador, lançado há quinze anos. Resta saber se foi só um ponto fora da curva, ou se podemos comemorar a volta de um diretor de clássicos.

