Certos filmes estreiam bem antes no exterior do que no Brasil. Independente do motivo, isso acaba fazendo com que alguns percam a força no caminho até sua estreia e os fazem perder cada vez mais o mercado, muitas vezes injustamente, como é o caso de Corrente do Mal.
O filme foi finalizado em 2014, estreou no Festival de Cannes do mesmo ano e a partir dali passou a ser sucesso em diversos outros festivais. Em março de 2015, estreou em quatro salas nos EUA e faturou cerca de US$ 160 mil, uma surpresa para a distribuidora, que decidiu lançá-lo em mais de mil salas, o que transformou o terror num verdadeiro sucesso, com faturamento de mais de US$ 14 milhões. É bom ressaltar que o orçamento foi de US$ 2 milhões. No Brasil, depois de alguns adiamentos, o filme chega nesta semana, infelizmente sem a sua merecida atenção.
Corrente do Mal conta a história de Jay, uma garota de dezenove anos que se envolve com um rapaz e, após uma relação sexual, recebe a notícia de que ele carregava uma força maligna, transmissível apenas pelo sexo. Para passar adiante esta força, a garota precisa ter outras relações ou será perseguida por pessoas que querem matá-la, mas não podem ser vistas por mais ninguém.
De início, a premissa do longa pode soar ridícula. Mas acredite, existem diversas formas de encarar o tema com seriedade. A principal delas é a metáfora com doenças sexualmente transmissíveis e o sexo na adolescência, o que costuma ser um tabu. O estreante David Robert Mitchell soube bem como tratar o assunto e dentro de um gênero que não precisa se aprofundar tanto. E é aí que mora a diferença.
Os filmes de terror atuais não se preocupam em mergulhar dentro de seu próprio universo e se aprofundar nos personagens. Tudo é muito raso e superficial, com o intuito de causar sustos sem se preocupar muito com o enredo. Corrente do Mal sequer preza por sustos, mas busca as referências do terror clássico, onde a tensão é predominante. Sexta Feira 13, Halloween e A Hora do Pesadelo são bons exemplos disso e Mitchell soube como colocar essas características em prática.
Esqueça os sustos forçados e dê lugar para a agonia e tensão num roteiro bem desenvolvido e inteligente, sem muitas explicações. A única coisa que o espectador sabe é que a tal entidade pode aparecer em qualquer forma humana a qualquer hora. Sendo assim, o diretor opta por planos abertos e durante o dia para o público ficar caçando quem supostamente pode ser a força maligna, deixando-o tão paranoico quanto a protagonista. A sensação de algumas sequências em que essas pessoas aparecem, lembram a mesma que tive em O Sexto Sentido.
Talvez, o único erro do diretor foi ter optado por uma cena mais explícita do que acontece quando essa força ataca alguém. Isso desmistifica um pouco e tira aquele ar de mistério, que paira sobre todo o longa, inclusive com alguns cortes secos que deixam a ação dos personagens no ar.
O elenco também contribui muito para a qualidade do terror, com destaque para Maika Monroe, que interpreta Jay e sabe exatamente cada timing de atuação. Não parece forçada e tem o grau de tensão exato para a personagem. O restante também faz bom trabalho, mas a garota se sobressai.
Com um grau altíssimo de tensão, suspense bem aproveitado e muito bem dirigido, Corrente do Mal traz de volta as sensações dos filmes de terror antigos e pode, sim, ser considerado um clássico contemporâneo. Infelizmente, chega ao Brasil sem força alguma para brigar com grandes produções no circuito comercial. Ainda assim, seu reconhecimento lá fora pode contribuir e muito para que o gênero de terror respire um pouco mais aliviado.