Cities of Love é um projeto cinematográfico criado pelo diretor francês, Emmanuel Benbihy. A ideia da franquia é utilizar cidades icônicas como pano de fundo para diversos curtas-metragem e reunir diretores de vários estilos diferentes para idealizar seu olhar sobre a metrópole.
Por enquanto, apenas três cidades foram agraciadas com o projeto: Paris, Nova Iorque, e o mais novo lançamento, no Rio de Janeiro.
Rio, Eu Te Amo foge do padrão de seus antecessores pelo fato das histórias serem relativamente ligadas umas às outras. Ponto para o belo trabalho de transição de Vicente Amorim, tudo em prol de formar um único filme e dar o tom de que todos ali se cruzam sem perceber.
Para nós, brasileiros, o tempero a mais é que a bola da vez agora é nossa. Depois do sucesso da Copa do Mundo, lançar a cidade para o mundo sob o olhar de diretores nacionais e estrangeiros é uma ótima estratégia para manter o país em evidência.
Porém, assim como os dois primeiros longas, o desafio do filme é fazer com que ele não pareça um mero panfleto turístico. E todos nós sabemos que filmes nacionais procuram ao máximo explorar as belas paisagens que o Rio tem, além de forçar a barra nos anúncios comerciais.
Sim, todos os cartões postais estão ali, mas cada diretor soube articular isso para que o cenário não tomasse a frente das histórias que ali estavam. Já o lado comercial, ainda que mais discreto que o normal, não deixou de ter alguns deslizes ao mostrar as marcas patrocinadoras.
Quanto aos curtas, é inevitável que eles sejam compostos por altos e baixos. Mas o mais interessante é que são os diretores estrangeiros que se destacam. Seus curtas possuem um quê a mais ao tratar a cidade com mais cautela, levando a sério o fato de apenas usar a cidade como cenário para suas histórias, mas sem perder a essência da trama.
Talvez o australiano Stephan Elliot tenha sido o único estrangeiro a enfatizar a magia do cenário em um curta envolvendo um motorista (Marcelo Serrado) e seu cliente, um ator mal humorado que decide escalar o Pão de Açúcar em equipamentos para conhecer a verdadeira magia do morro.
Mas dois grandes destaques são as histórias dirigidas pelo mexicano Guilhermo Arriaga e pela libanesa Nadine Labaki. O primeiro, com o título de Texas, conta a história de um boxeador que perdeu o braço (Márcio Rosário) e precisa juntar dinheiro para conseguir pagar o tratamento de sua esposa (Laura Neiva). Uma história pesada, que prova que não é necessário dar ênfase na cidade, mas nas histórias que poucos veem.
Já o segundo, intitulado de O Milagre é sobre um garoto que não permite que dois estrangeiros se aproximem de um telefone público por estar esperando uma ligação de Jesus Cristo. Harvey Keitel e a própria diretora libanesa fazem a dupla. Mas para a surpresa do público, o garoto de seis anos, Cauã Antunes é quem rouba a cena e faz uma atuação bem divertida. A história, gravada na Estação Leopoldina, é uma das melhores do longa. Se não a melhor.
Mas é do sul-coreano Im Sang-Soo o curta mais peculiar de todos. Vidigal é sobre vampiros no Morro do Vidigal, com direito até a um desfile de samba no meio da rua durante a madrugada. É fantasioso e destoa das demais, porém o resultado final é até interessante.
Os outros dois dirigidos por gringos não chamam tanta atenção assim. O vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro com A Grande Beleza, Paolo Sorrentino dirige La Fortuna, história sobre um casal inglês que vem ao Rio para aproveitar. Emily Mortimer e Basil Hoffman atuam em um trecho mórbido e até curioso, mas que não justifica a badalação do diretor italiano.
A história mais fraca da leva internacional fica por conta de John Tuturro. Quando não há Mais Amor é quase um musical sobre um casal prestes a se separar. Trecho que passa despercebido pelo público.
Quanto à parte nacional do núcleo de diretores. Nenhum faz feio, mas é necessário ressaltar que a história que abre o filme é um tanto quanto fraca para introdução. Dona Fulana é bem humorado e conta com boa atuação de Fernanda Montenegro, mas o diretor Andrucha Waddington peca ao utilizar um formato semelhante ao de novela. Tive a impressão de ver alguma continuação daquela série Global, Doce de Mãe, em que e a atriz também faz a protagonista.
Com exceção a Waddington, o restante nos dá um resultado final muito satisfatório. Não é pra menos, já que são diretores bem conceituados fora do país e possuem bagagem suficiente para entregar um produto de alto nível.
A Musa, de Fernando Meirelles é um dos mais poéticos e conceituais do longa. O francês Vicent Cassel interpreta um escultor de areia em busca de sua musa para a inspiração de sua obra-prima. Feito apenas com sons de movimentos e trilha um tanto quanto Kubrickiana, grande parte dele é com a câmera voltada para o calçadão de Copacabana, para assim focar apenas os pés de quem passa. Meirelles dá um conceito diferente de todo o filme, uma experiência interessante para o espectador.
Carlos Saldanha é outro que apresenta um bom formato e bela fotografia em Pas de Deux, em que Rodrigo Santoro e Bruna Linzmeyer encarnam um casal de bailarinos que discutem a relação durante uma apresentação no Teatro Municipal. A ótima utilização de sombras, fotografia escurecida e boas atuações enaltecem a estreia de Saldanha como diretor de filmes live-action.
Por último, mas não menos importante está Inútil Paisagem, dirigido por José Padilha. Wagner Moura é um piloto de asa-delta que, em um de seus voos resolve reclamar da cidade para o próprio Cristo Redentor: "Cidade Maravilhosa é o c..." diz o protagonista em uma de suas agressões. Esse é o ponto mais crítico de todo o filme que, inclusive, chegou até a censurado pela Arquidiocese dos Rio por achar os diálogos ofensivos religiosamente. Obviamente a censura foi revertida e a história entrou no filme aos 45 minutos do segundo tempo. Claro, não é para menos, já que diretor da franquia Tropa de Elite tocar na ferida de alguma maneira.
Com dito anteriormente, o filme não surtiria tanto efeito se Vicente Amorim não tivesse feito ótimo trabalho na transição de cenas. Feito ousado e que deu muito certo para que nenhum dos curtas ficassem à deriva. Bom exemplo disso é uma subtrama que envolvem Claudia Abreu e Michel Melamed durante algumas histórias. Ela é uma intérprete que transita entre história e outra, ele é um taxista que leva alguns personagens e conta sua história de vida amorosa aos clientes.
Outro bom diálogo é entre Wagner Moura e Harvey Keitel. O brasileiro pergunta se ele é aquele ator de The Goodfellas e o americano nega, dizendo que é apenas um padre (seu papel num suposto filme rodado na cidade). (Keitel não fez The Goodfellas)
Um tanto quanto oscilante, Rio, Eu te Amo, esquece um pouco aquela ideia de Rio de Janeiro que vimos em Cidade de Deus e Tropa de Elite. Sim, o público sentirá falta do senso crítico e pode até se incomodar pelo ufanismo exagerado. O longa pode apresentar um Rio de Janeiro completamente utópico. Mas cá entre nós. De desgraças, mortes, assaltos, milícias, corrupção e bandidagem já estamos entupidos pelas manchetes dos jornais. E um pouco de amor, seja ele qual for, nunca é demais para ninguém.