Todo
mundo sabe que Quentin Tarantino é um amante do cinema clássico e faz de
tudo para homenageá-los em seus filmes. O diretor, que começou vendendo
roteiros para grandes estúdios e conseguir dinheiro para produzir seu primeiro
filme, imortalizou-se na industria como um criador de clássicos, passando por
quase todos os gêneros possíveis, mostrados em seu ponto de vista recheado de
diálogos magníficos, referências pop e violência fora do comum.
Tarantino
começou com seu independente e policial Cães de Aluguel,
depois, deixou sua marca em filmes de gângster com Pulp Fiction,
indicado sete vezes ao Oscar, levando apenas um. Logo depois, foi a vez
de filme blaxploitation com Jackie Brown. Em 2003 e 2004, o
diretor emplacou com Kill Bill Vol. 1 e 2 um
filme baseado em um de seus gêneros favoritos, o de artes marciais asiática,
repleto de personagens voando, lutas com espadas e sangue, muito sangue. Após
de ter sido frustrado por não ser convidado a dirigir Casino Royale,
Quentin decidiu reescrever a história com seu próprio filme de guerra. Dava
inicio a uma trilogia sobre vingança, o primeiro, Bastardos Inglórios,
retrata a segunda guerra mundial, onde um grupo de judeus colocava em prática
um plano para exterminar os nazistas.
Quase
quatro anos depois, a trilogia dá continuidade reconstruindo a história do
mundo, desta vez, um western que se passa em 1858, dois anos antes da
Guerra Civil, durante a escravidão nos EUA, e, como podemos imaginar, é tudo
aquilo que se espera de Tarantino.
Django Livre é uma história de amor, mas
também de vingança, em que o escravo Django (Jamie Foxx), é
libertado por Dr. King Schultz (Christoph Waltz), um caçador de
recompensas, para ajudá-lo a encontrar um de seus alvos. Em troca, o escravo
ganha sua companhia em busca de sua esposa Broomhilda (Kerry Williams),
escrava do cruel fazendeiro Calvin Candie (Leonardo DiCaprio).
As
referências a filmes de western spaghetti são totalmente perceptíveis.
Já no começo, vemos a cena de abertura muito parecida com a do clássico Django,
principalmente pela trilha sonora. As homenagens vão desde a estrutura do
roteiro, que é uma mistura de Sergio Leone com Corbucci, em
relação aos enquadramentos e closes rápidos, até cenários com planos
nitidamente estampados, como em filmes antigos, onde o fundo do cenário era
apenas uma pintura. O diretor acertou em cheio ao optar por não utilizar o
cinema digital, pois são nos moldes de filmagens que podemos ver as
referências.
O
filme tem causado muitas polêmicas nos EUA devido à forma do diretor retratar a
escravidão, diga-se de passagem, exatamente como ela era. Não só em atos de
agressão física, mas, também moral. Em muitas partes do filme, chegamos a ter
um leve desconforto devido a alguns atos. Porém, por mais que essa violência
seja demonstrada explicitamente, com certeza é apenas a ponta do Iceberg. É um
tema que muitos evitam explorar, e que Quentin o fez com maestria.
Tarantino
não poupa violência quando coloca em prática suas produções, e nesse filme, não
seria diferente. Porém, em Django Livre, ela acaba tomando
proporções megalomaníacas e sarcásticas jamais vista em seus filmes anteriores.
Sua maneira de retratar a violência e nos fazer achar graça de cada cabeça
rolando, satirizando certos personagens da história é incrível, como é o caso
de uma cena envolvendo o grupo racista Klu Klux Klan.
Além disso, o diretor mais uma vez mostra que é um
especialista em direção de atores (e cavalos), perito em levar as cenas através
de diálogos ácidos e inteligentes, capaz de extrair aquilo que o ator tem de
melhor, fazendo com que seus papéis sejam memoráveis, como é o caso de Cristoph
Waltz, Jamie Foxx, Leonardo DiCaprio e seu amigo de longa
data, Samuel L. Jackson.
O
ator austríaco surgiu em Bastardos Inglórios e roubou a cena com
seu icônico Coronel Hanz Landa. Desta vez, Waltz interpreta o caçador de
recompensas Dr. King Schultz, se mantendo nas mesmas características de seu
personagem anterior. Cínico, cômico, egocêntrico, mas elegante. O ator tem uma
habilidade imensa em fazer com que o público se simpatize com seu personagem já
na primeira cena, onde ele dá suas caras e mostra por que é o novo queridinho
do diretor. O personagem é tão carismático que até seu cavalo cai nas graças do
público.
No
filme, podemos ver um Jamie Foxx mais maduro e seguro de si, claro,
também pela influência do diretor que citei anteriormente. Ele faz com que o
espectador se identifique, seja por seu carisma, onde se mescla com pitadas de
humor, ou pelo espirito de herói que carrega em si. Dificilmente vemos um negro
retratado de tal maneira, o que nos faz torcer por ele e por quem o acompanha.
DiCaprio é, por sua vez um dos destaques da trama. Pode se dizer que
o ator é o Hanz Landa de Django, pelo menos em cinismo e crueldade. Calvin
Candie é um fazendeiro mimado, dono de uma rica herança e de um grupo
campeão de escravos de briga. O ator prova porque é considerado um dos melhores
de sua geração, seu timing com o humor e sadismo são perfeitos.
Mas,
se existe um vilão nesse filme, com certeza é Stephen, interpretado por
Samuel L. Jackson, que, segundo o próprio diretor, é o negro mais odioso do
cinema. Por servir a família durante muito tempo, o mesmo sente que tem os
mesmos direitos de seu “dono”, mas de forma indireta. Stephen usa seu poder de
persuasão para mandar e desmandar em Calvin, se tornando o ponto chave para o
desenrolar da trama.
Trilhas
sonoras de qualidade em filmes de Tarantino não são nenhuma novidade. Em Django
Livre, há uma mistura de gêneros que passa desde os clássicos western
composto por Ennio Morricone, passando por blues e hip-hop
envolvendo uma parceria entre 2PAC e James Brown, o que
claramente faz uma referência ao gênero de blaxploitation.
Como
de costume, o diretor faz uma ponta no filme, e, posso lhes dizer que é a
melhor de todos os tempos.
Com
roteiro criativo, tema polêmico, cabeças explodindo, diálogos fantásticos e uma
quantidade exorbitante da palavra nigger, Django Livre, é mais uma
obra prima do diretor Quentin Tarantino, que mostra o porquê é um dos
maiores gênios do cinema pós moderno.
Depois
de ladrões com nomes cores, a dupla Jules Winnfield e Vicent Vega,
a aeromoça Jackie Brown, a noiva Beatrix Kiddo e o tenente Aldo
Raine, eis que surge mais um herói politicamente incorreto: D - J - A
- N -G - O. E o "D” é mudo.
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